O bispo católico de Cabinda, Belmiro Chissengueti, fazendo uso da máxima de que (às vezes) a Igreja é a voz do Povo, aponta o “aumento exponencial dos impostos que sufocam a já mendiga classe empresarial”, do “desemprego galopante” e o “desespero dos jovens” como reflexos da crise económica que Angola vive.
Segundo o prelado, citado pela Emissora Católica de Angola, o país continua a viver uma profunda crise económica com registos da “diminuição” do poder de compra e da qualidade da vida de todos os cidadãos e “aumento da criminalidade”. Por outras palavras, dois anos de governação de João Lourenço não diminuiu a crise e, pelo contrário, aumentou-a.
Belmiro Chissengueti, também porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), que falava, em Cabinda, durante a cerimónia de cumprimentos de natal da diocese, manifestou, por outro lado, “satisfação” pelo surgimento de projectos estruturantes na província.
“No meio desta crise, ouvimos com satisfação o surgimento na nossa província de projectos tendentes a alavancar a economia, projectos estruturantes e necessários para que se normalize a vida nesta parte em que nós habitamos”, afirmou.
O prelado augura que as obras estruturantes na região, umas em início e outras em conclusão, beneficiem, sobretudo os jovens ávidos pelo emprego “para que a riqueza possa girar a volta dos que investem e que são igualmente os beneficiários dessas obras”.
Recorde-se que o Presidente João Lourenço disse, na segunda-feira, que apesar de ainda serem muitas as dificuldades sentidas, o país “conhece progressos no campo da defesa dos direitos fundamentais do cidadão, da exigência de maior rigor na gestão dos recursos públicos, do combate ao nepotismo e à impunidade e da luta contra a corrupção”.
Na sua mensagem de ano novo, João Lourenço assegurou (e, no caso, assegurar é sinónimo de prometer) que o seu Governo “continua comprometido e empenhado” em criar as condições para proporcionar à maioria da população melhores condições de vida.
“Atenção particular vem sendo prestada pelo executivo ao sector social, com vista a melhor servir as populações na educação, na saúde, na energia, no saneamento básico e na água potável”, realçou.
Mudam-se os tempos e as vontades… alteram-se
Recorde-se que o bispo Belmiro Chissengueti considerou em 12 de Março deste ano que os protestos em Cabinda devem-se a “condições sociais precárias” e defendeu que a região precisa de “sinais de desenvolvimento”. A voz do Povo costuma ser a voz de Deus. Mas nem o Povo nem o bispo têm poder para sensibilizar o “deus” angolano que dá pelo nome de João Lourenço.
“Porque são precárias em Cabinda, e um pouco por todo o país, que está tomado por uma crise desigual, e então há que encontrar soluções sustentáveis para dar resposta às inquietações principais dos jovens, dos adultos, não só em Cabinda, mas também em todo o país”, disse Belmiro Chissengueti.
O sacerdote católico exemplificou que regiões como o Cacongo continuam iguais, “como há 35 anos” em termos de desenvolvimento, o que causa “algum mau estar e alguma dor”.
Para Belmiro Chissengueti, “é importante que aquelas que são as zonas de produção das maiores riquezas do país tenham maior benefício do ponto de vista da reconstrução”.
Desde “infra-estruturas, condições sociais e medidas políticas que favoreçam a empregabilidade e a auto-sustentabilidade (…), a província precisa de recordações vivas e sustentáveis dos 50 anos de exploração petrolífera”. “Tem que haver sinal sensível de desenvolvimento”, argumentou o bispo.
Recorde-se que a UNITA, o maior partido na oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, denunciou na mesma altura que “continuam a morrer” angolanos em Cabinda, “vítimas de um conflito mal resolvido”, considerando que naquela província os cidadãos são tratados de forma “arbitrária e autoritária”.
“O grupo parlamentar da UNITA já não pode aceitar que em tempos de paz morram angolanos em Cabinda vítimas de um conflito mal resolvido”, disse Adalberto da Costa Júnior, então presidente do grupo parlamentar da UNITA e hoje líder do partido formado por Jonas Savimbi.
“Recomendamos a necessidade da humanização dos órgãos de defesa e segurança, que através de métodos repressivos e de violência estimulam e acirram os extremismos desnecessários”, sublinhou.
Nessa altura pelo menos 63 jovens do autodenominado Movimento Independentista de Cabinda (MIC) estavam detidos por pretenderem fazer uma marcha alusiva ao dia 1 de Fevereiro, quando se assinalou o 134º aniversário da assinatura do Tratado de Simulambuco, segundo as autoridades, mas a UNITA afirma tratar-se de detenções arbitrárias.
Em finais de Fevereiro, o Governo angolano confirmou a existência de detenções de membros de um “autodenominado movimento independentista” em Cabinda, que “pretendiam alterar o quadro institucional de unicidade” de Angola.
O ministro do Interior angolano, Ângelo da Veiga Tavares, indicou na altura que a situação em Cabinda estava tranquila e que os respectivos processos estavam em segredo de justiça, pelo que restava aguardar pelas decisões judiciais.
Em relação à detenção dos jovens activistas, o bispo de Cabinda considerou que “é preciso salvaguardar a necessidade de um diálogo permanente”, afirmando que as “vozes dissonantes da província são parte integrante do processo democrático”.
“Não podemos ter a ilusão de pensarmos que os jovens académicos e intelectuais tenham um pensamento uniforme, então o que é importante, por um lado, é que se cumpram os pressupostos das detenções, que é justamente a apresentação dos motivos”, adiantou.
“Porque essas vozes também podem apresentar inquietações que podem ser aproveitadas para o exercício da boa governação, porque em democracia as manifestações são parte integrante e isso deve ser salvaguardado evitando a todo custo as arbitrariedades”, acrescentou.
Questionado sobre a situação da segurança em Cabinda, Belmiro Chissengueti respondeu: “A minha missão é sobretudo religiosa e espiritual, e naquilo que toca a minha missão, tenho andado um pouco por toda a província e nada mais do que isso”.
A Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC) luta há várias décadas pela independência do território, que consideram um protectorado português e de onde provém a maior parte do petróleo angolano.
João Lourenço é reputado nos círculos cabindenses como tendo sido o único dirigente do MPLA que no passado e nas vestes de seu secretário-geral manifestou a sua oposição à construção de um porto de águas profundas ou de longo curso em Cabinda. Na sua opinião, construir o porto de águas profundas em Cabinda era dar a independência a Cabinda. O mesmo sobre o aeroporto internacional de Cabinda.
Como se o actual João Lourenço fosse outro, veio recentemente proclamar a chegada do porto e dos benefícios económicos que vai trazer quer para a importação, quer para a exportação de produtos locais. Falou deste assunto como se os cabindas, neste caso, sofressem de amnésia. O que é que aconteceu então? Mudou de opinião? Há sinceridade nas suas palavras? A independência já não vai acontecer?
Por uma questão que não existe, que nunca existiu, no MPLA (ética), João Lourenço devia retratar-se primeiro e pedir-nos desculpas, seguindo o seu próprio lema: “Corrigir o que está errado e melhorar o que está bem”. Então, devia primeiro corrigir-se a si próprio. Caso contrário, estará a fazer o papel do galo que trepa para cima das fezes e canta. Na verdade, o porto faz muita falta a Cabinda e não há nenhum cabinda que não reconheça a sua importância estratégica. Até os portugueses já o haviam projectado, tendo sido lançada a primeira pedra na baía do Itafi (Tchowa) pelo então governador-geral de Angola, Santos e Castro, em Janeiro de 1974, três meses antes do golpe em Portugal.
Depois da sua enciclopédia de promessas eleitoralistas, João Lourenço pediu o voto do Povo de Cabinda. Esse mesmo pedido foi feito por José Eduardo dos Santos em 1992, em 2008 e em 2012. O MPLA sempre “ganhou”, mas as promessas nunca se cumpriram.
O Povo de Cabinda sabe que:
O MPLA maltrata os seus filhos com o degredo e o ostracismo; o MPLA e a sua elite (onde o senhor João Lourenço é parte integrante) roubam os dinheiros públicos e só deixam as migalhas que caem debaixo da mesa do seu festim.
O Povo de Cabinda suporta a opressão do regime do MPLA há dezenas de anos; sabe que a actual crise que se vive em Angola é mais que uma simples baixa do preço do petróleo: é uma crise moral provocada pelos senhores da situação que nos tempos das vacas gordas delapidaram o erário público colocando hoje o país no lamaçal financeiro em que se encontra; o Povo de Cabinda sabe que entre 2012 e 2017, foi o pior período da sua história recente em termos sociais e económicos.
João Lourenço disse que o seu MPLA é um partido do diálogo, que ouve o clamor das populações e que sabe escutar e acolher as boas opiniões dos outros. Diálogo não é monólogo. Por isso João Lourenço não tem coragem de ir ao encontro daqueles que pensam diferente e que têm uma palavra que pode trazer transformações significativas nesta terra (com)prometida. Ignorá-los e ostracizá-los, como teima em fazer, é tapar o sol com a peneira ou fazer a política da avestruz.
Folha 8 com Lusa